A primeira vez que Rita Constantino pisou as frágeis tábuas de madeira da Quinta do Infante Abandonada não foi uma boa experiência. A urban explorer, nome atribuído aos exploradores de locais abandonados, esteve sempre consciente dos perigos que corria ao invadir terrenos privados. Mas nunca esperou que chegasse o dia em que se sentiria mesmo ameaçada.
Por norma, a aventureira de 29 anos vai sempre acompanhada e, desta vez, não foi diferente. Depois de passarem pelos livros datados do século XIX e pelos telefones antigos que os levavam a imaginar o passado daquela quinta, Rita e Daniel subiram até ao sótão, localizado no quarto andar da moradia, à procura de novos objetos. Foi aí que ouviram um barulho estranho.
“Deve ser o vento”, pensou a jovem. No entanto, a continuação dos sons e o ritmo que eles levavam fez com que o amigo tivesse a certeza de que eram passos. “Talvez seja outro explorador”, sugeriu Rita. Mesmo que, nesta altura, não vissem nenhuma ameaça na pessoa que, como eles, tinha invadido a quinta, decidiram não arriscar.
“Descemos os dois agarrados um ao outro, pé ante pé, sem fazer barulho. Expliquei-lhe onde era a saída por gestos, pois ele já não se lembrava”, conta à New in Seixal. Estavam quase a enfrentar a porta de saída, quando a curiosidade de Rita a levou a dar um passo atrás: “Tinha de ver a cara do homem”.
“Então, espreitei e o homem olhou ao mesmo tempo. Até achei que era um senhor com bom aspeto, mas ele veio atrás de nós, para nos roubar a tecnologia”. Aqui, foram as câmaras e o equipamento fotográfico a dar energia a Rita e a Daniel, que saltaram da janela da casa “como se fosse apenas um degrau de uma escada”.

A aventura, contudo, não ficou por aqui. Os dois decidiram voltar à casa para captar o que lhes tinha faltado. No meio de cadeiras esburacadas, espelhos embaciados e retratos de Jesus Cristo, Rita e Daniel achavam que ainda não tinham tudo. O mesmo pensou o homem, que os ouviu a regressar e correu de novo à procura das suas tecnologias: “Voltámos a escapar e encontrámos um carrinho de compras no portão da quinta. Pelo que percebemos, estava a roubar as coisas de dentro da casa”.
E não foi o único a fazê-lo. Desde a primeira vez que Rita e Daniel visitaram o espaço, em dezembro de 2022, que ele sofreu várias alterações. Alguns objetos foram levados, outros partidos, nomeadamente “uma gigante mesa de bilhar” que está irreconhecível. Neste momento, pouco resta do que a quinta já foi um dia. É isso que os leva, e a outros urban explorers, a não partilharem a localização dos sítios abandonados. Mas não têm problema nenhum em contar a sua história.
Rita viajou até ao ano de 1300, quando a quinta abandonada era apenas um terreno, para conhecer melhor este local. Foi aí que descobriu que, inicialmente, pertencia a um judeu amigo da Rainha D. Leonor Teles. “Como era apoiante do reino de Castela, assim que a Rainha morreu, foi acusado de traição à coroa portuguesa”, descreve.
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“Desta forma, o Rei D. João I, Mestre de Avis, após vencer a batalha de Aljubarrota, mandou-o embora de Portugal, entregando todos os seus bens e propriedade ao seu companheiro de guerra, o general D. Nuno Álvares Pereira, conhecido como ‘O Santo Condestável'”. Foi nesta altura que o terreno começou a ganhar vida.
Daí surgiu um palácio, cujas paredes erguiam um torreão com cerca de 25 metros de altura, que dava lugar à capela, onde se celebrava a missa todos os domingos. Mas essa não foi a única utilidade dada ao palácio.
No século XIX, a quinta mudou de proprietário e passou a pertencer à infanta D. Isabel Maria. “Aqui, os terrenos eram utilizados para produção de azeite, cereais, fruta, vinho e madeira”, explica Rita. Já em 1877, após a sua morte, foi o oitavo filho de D. Maria II, o infante D. Augusto, a herdar o património, que geriu até à grande Revolução dos Cravos.
Num concelho de abril como o Seixal, o 25 de Abril de 1974 também tinha de fazer parte da história da quinta. Nesta altura, “o palacete foi saqueado e grande parte do seu recheio foi roubado e vendido”. Acabou por ficar ao abandono, até ser comprado pela família de engenheiros Sande Lemos, nos anos 80, que decidiu instalar um externato e infantário.
Como o negócio se relevou pouco lucrativo, a família decidiu mudar e acabou por instalar uma exploração pecuária, “com a ajuda do veterinário António Maria Pires”, que tinha como objetivo a criação de vários animais. Porém, já no século XXI, a exploração caiu, porque os “proprietários e o veterinário entraram em vários conflitos”.
Ainda antes disso, em 1995, o imóvel foi classificado pela Câmara Municipal do Seixal como edifício de interesse histórico, o que fez com que, depois de tamanha discórdia, fosse colocado à venda por mais de dois milhões de euros. “Está ainda na posse de privados, por isso vai passando de geração em geração, à espera do seu final feliz”. E são os exploradores de sítios abandonados que mantêm viva a sua história. Pelo menos aqueles que, como Rita e Daniel, o preservam e levam apenas consigo as memórias das aventuras.
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