As drogas psicadélicas parecem ser, cada vez mais, o caminho para a cura da depressão resistente. Um derivado químico da cetamina, substância que, nos anos 80 e 90, se tornou conhecida nas ruas como Special K, é agora considerado um “tratamento promissor” para a doença mental descrita como pandemia.
O potencial da escetamina, um poderoso anestésico utilizado em bloco operatório desde 1997, para tratar pacientes com depressão crónica é cada vez mais evidente. A versão em spray nasal do fármaco foi aprovada para ser utilizado com este fim em 2013 nos EUA. A autorização foi concedida com base em pesquisas que comprovavam a redução dos sintomas depressivos em 24 horas, após a inalação. Atualmente, a dose diária recomendada para um tratamento rápido e eficaz com o medicamento— vendido sob o nome comercial Spravato — situa-se entre os 56 e os 84 gramas, ou seja, duas a três inalações. Isto representa um investimento entre 784 a 1171 dólares, ou seja, entre 740€ e 1100€, por semana. Contas feitas, o tratamento custa ronda os três mil euros por mês.
A Agência Europeia do Medicamento já tinha aprovado o spray nasal de escetamina, quando combinado com um antidepressivo convencional, para adultos com Transtorno Depressivo Major resistente ao tratamento, ou seja, que não responderam a pelo menos dois tratamentos antidepressivos distintos, em 2019. No entanto, o Infarmed, em julho de 2022, não recomendou a indicação terapêutica financiada. Isto significa que embora esteja autorizado a ser utilizado também em Portugal, custa alguns milhares de euros, sendo, por isso, inacessível à maioria dos pacientes.
Numa nova tentativa de comparticipar o medicamento, a farmacêutica Janssen, que criou o produto, financiou e desenhou um estudo multicentro, que contou com a participação da Fundação Champalimaud. “O que era pedido por muitos reguladores, era perceber como se compara relativamente às alternativas que já existem e, se é melhor, pior ou igual aos outros”, explica à NiT Albino Oliveira-Maia, diretor da Unidade de Neuropsiquiatria da Fundação Champalimau.
“O objetivo era comparar este medicamento, em spray, com um já aprovado para o mesmo diagnóstico, a quetiapina, um antipsicótico originalmente aprovado para o tratamento de doenças como a esquizofrenia”, acrescenta o responsável pela coordenação da pesquisa em Portugal.
No final, os investigadores concluíram que o spray nasal apresenta taxas de remissão superiores e, a longo prazo, mais elevados que a do outro medicamento, conforme detalham no estudo publicado a 5 de outubro, na “New England Journal of Medicine”.
A esperança da comparticipação
Nos últimos tempos há outro fármaco que se tem destacado no tratamento da depressão resistente, a cetamina. “São realmente muito idênticas“, adianta Albino Oliveira-Maia. A grande diferença entre ambas, está no poder de cada uma. Com doses inferiores de escetamina, é possível obter resultados mais eficazes e imediatos, acrescendo o facto da administração ser mais prática, explica o investigador. “Enquanto a cetamina é injetada mediante um cateter intravenoso, a escetamina é administrada em spray.”
Outro aspeto, apontado por Oliveira-Maia, é a quantidade de ensaios e investigações feitos ao fármaco da Janssen, em comparação com o da cetamina. “O que significa que há mais informação sobre os efeitos — e de como controlá-los — deste medicamento em que se focou o estudo, comparativamente ao outro tratamento.”
Além do preço avultado, trata-se de um fármaco para ser administrado em contexto hospitalar. “Uma das reações possíveis são as alterações do estado de consciência como dissociação e, por isso, é necessário haver uma vigilância dos pacientes após a toma”, esclarece o diretor da Unidade de Neuropsiquiatria da Fundação Champalimaud.
Atualmente, os pacientes com depressão resistente, para quem já não existem alternativas que resultem, podem beneficiar deste tratamento através da participação em ensaios clínico, por exemplo. “O que é desejável é que, tal como acontece noutros países, em Portugal, seja possível, para doentes para os quais não tenhamos outras opções eficazes e seguras, possam ter acesso a este tratamento, que parece estar entre os melhores disponíveis.”
Resultados promissores
Os investigadores acompanharam 676 doentes, oriundos de diferentes países, numa investigação multicentro, promovida pela farmacêutica Janssen. “Isto assegura que se conseguem recrutar grandes grupos de pessoas e que essas têm as características mais próximas do que é expetável na comunidade em geral”, detalha o investigador. O grupo foi depois divido em dois: um para a administração de escetamina e o outro para a de quetiapina.
Os pacientes foram depois monitorizados durante oito meses — um período mais alargado “do que o normal nestas situações” e que permitiu uma melhor avaliação dos efeitos. No final das primeiras oito semanas, 27,1 por cento dos doentes que tomaram o novo fármaco alcançaram a remissão (desaparecimento total dos sintomas), em comparação com 17,6 por cento do grupo que tomou o outro antidepressivo. Ao fim de 32 semanas, cerca de metade das pessoas (49,1 por cento), que tomaram escetamina entraram em remissão. Com a outra substância ficaram pelos 33 por cento.
“As respostas positivas mantiveram-se ao longo do tempo, para ambos, mas mantendo-se esta numa posição de clara superioridade”, conclui o estudo.
