Em 2001, Ricardo Toscano tinha apenas oito anos quando o pai, músico na Sociedade Filarmónica Operária Amorense, lhe deu um clarinete para as mãos. Ricardo tocou umas notas e logo aí se percebeu que tinha talento e que provavelmente iria ter uma carreira no mundo da música.
Ambos ouviam bastantes discos, no entanto houve um que se destacou e consolidou ainda mais a relação entre pai e filho. “Know What I Mean?”, um álbum de estúdio produzido por Cannonball Adderley com Bill Evans, dois grandes nomes mundiais do panorama do jazz. Pai e filho tentavam, em conjunto, reproduzir a melodia, sem auxílio de pautas, apenas um bom ouvido e sentido de ritmo. Tanto praticaram até que conseguiram reproduzir a música.
“O meu pai nunca me pressionou a seguir este caminho, conheço muitos músicos com filhos e parece que querem projetar os sonhos e ambições nos miúdos. Comigo não era assim, na melhor das hipóteses, um pai é o nosso primeiro herói, o nosso modelo. Ele já sabia que eu ia seguir música, a partir do momento em que me passou o clarinete pela primeira vez, da parte dele só recebi elevação e incentivo”, começa por contar Ricardo Toscano à New in Seixal.
O músico nasceu em Lisboa, mas viveu e cresceu na Amora. Com cerca de oito anos juntou-se à Sociedade Filarmónica Operária Amorense, onde tocava com o pai. Desde sempre que considera a música “um estilo de vida”. Foi por isso que, aos 12 anos, entrou no Conservatório Nacional de Música para estudar clarinete e música clássica durante dois anos.
Seguiu-se uma progressão na Escola Profissional Metropolitana de Lisboa, na Escola de Jazz de Luiz Villas-Boas, na classe de saxofone de Desidério Lázaro e, aos 17 anos, na Escola Superior de Música de Lisboa. “A música não é algo que se decide, acho que nasci músico. Existe sempre alguém que diz: “És músico, mas fazes o quê, onde é que trabalhas?” Essas pessoas não percebem a nossa maneira de estar na música, não é algo leve. São muitas horas durante vários anos, normalmente as pessoas dedicam-se a uma profissão depois dos 18 anos, seja no trabalho ou no ensino superior, mas eu com oito anos já fazia o que vou apresentar no SeixalJazz 2023”, revela.
Atualmente, Ricardo vive em Lisboa, dividindo-se entre o Seixal e a capital. Mudou-se, pela primeira vez em 2013, voltou para a Amora e em 2018 regressou a Lisboa. Apesar do artista ser residente no concelho do Seixal, a vida levo-o sempre para a capital, seja por motivos escolares e ensaios ou por concertos e eventos de jazz.
Uma carta em branco e um projeto de estreia
Ricardo Toscano foi o cabeça de cartaz, no dia 13 de outubro, no SeixalJazz 2023. A convite da Câmara Municipal do Seixal, decidiu criar algo novo, o “First Take”, uma abordagem diferente com músicos com quem não está habituado a tocar, um espetáculo completamente fora da zona de conforto do artista.
“O First Take é composto por um tema meu, um do baixista Jasen Weaver, dois temas do pianista Artur Tuźnik e outros da minha autoria. Somos todos de sítios diferentes, o baixista é de Nova Orleães e o pianista é de origem polaca, mas vive em Copenhaga, na Dinamarca. São pessoas que têm sotaques diferentes a tocar música, achei que ia funcionar”, disse.
A sala do Auditório do Fórum Municipal do Seixal ficou lotada e Ricardo foi aplaudido de pé pelas centenas que decidiram, naquela noite, apreciar um bom momento de jazz. Ricardo tocou com Jasen Weaver apenas uma vez, em janeiro num concerto em Paris. Já Artur Tuźnik, conheceu-o numa jazz session em Lisboa há oito anos, onde tocaram apenas uma vez e foi “ligação instantânea”. Todos têm muito em comum, podem não falar o mesmo dialeto, mas a linguagem da música e do jazz é global.
Quem também fez parte do quarteto foi João Lopes Pereira na bateria, membro da banda de Ricardo há mais de dez anos. Conhecem-se desde os 14 anos e tocam juntos desde essa altura, em que frequentavam a Escola Profissional Metropolitana de Lisboa. Escusado será dizer que Ricardo Toscano integrou o projeto ao som do saxofone.
Sem contar com este projeto, o músico integra o Sexteto de Jazz de Lisboa, o Nelson Cascais Decateto, o Septeto do Hot Clube de Portugal e o Quarteto Mário Barreiros. Pelo trabalho desenvolvido como músico de enorme talento e perícia, a autarquia do Seixal distinguiu Ricardo Toscano com a medalha de Mérito Cultural, em 2017. Destacam-se as inúmeras colaborações na carreira artística, com nomes incontornáveis como Mário Laginha, Mário Barreiros, Carlos Barretto, João Paulo Esteves da Silva, João Moreira, entre outros e presença garantida em alguns dos maiores festivais de jazz nacionais.
O talento e a forte personalidade musical marcaram o compasso que contrasta com o ritmo de um percurso feito com tempo. Em 2011 ganhou o Prémio Jovens Músicos, mas apenas em 2018 lançou o disco de estreia, fazendo-se acompanhar por André Santos, João Hasselberg e João Pereira, tendo sido considerado o álbum mais importante desse ano. Em 2022, lançou o segundo disco, trabalho considerado um dos álbuns do ano, tendo sido também reconhecido pelos Prémios Play como o melhor álbum do ano.
Apesar dos prémios e distinções, existe algo na vida de Ricardo que vale muito mais do que qualquer condecoração. “Em 2019, na noite da Consoada, eu e o meu pai acabámos por tocar dois temas juntos para a família toda, não foram músicas de Natal. Foi um momento bonito, partilhar a nossa paixão. É uma daquelas lembranças fofas, é nostálgico saber como tudo começou e, agora, onde cada um está. Fico muito feliz por ver o meu pai na plateia, parece que tenho sempre alguma coisa a provar, não porque ele me faz essa pressão, mas gosto que ele aprecie o que vou tocar e o que vou apresentar”, remata.