Chama-se “Pôr do Sol”, foi apresentada como a nova “mini novela” da RTP1 e estreou na segunda-feira, 16 de agosto. Na verdade, trata-se de uma grande sátira a este formato tradicional que domina a televisão portuguesa (e não só) há várias décadas. Ao todo, tem 16 episódios, que são transmitidos de segunda a sexta-feira, a partir das 21 horas — e também estão disponíveis na RTP Play.
A história é um enorme caldeirão de clichés: há uma gémea boa e uma gémea má, o filho do caseiro apaixona-se pela filha da família rica (num caso típico de amor proibido entre classes sociais) e o que eles não sabem é que, na verdade, são irmãos. O horror, o drama, a tragédia.
Gabriela Barros interpreta as gémeas Matilde e Filipa. Matilde é a filha da família Bourbon de Linhaça, dona de uma herdade. Ele vive um amor proibido com Lourenço, o filho do caseiro — mas eles têm um laço de sangue secreto que desconhecem. Os seus pais são Eduardo e Madalena — Eduardo tem pouco tempo de vida e tem de lidar com o seu irmão rancoroso, Simão, que quer o dinheiro e o poder da família para si. Filipa é a outra irmã gémea. Cresceu órfã, tem um temperamento duvidoso, é diretora da principal revista de moda em Portugal e está a tentar descobrir as suas origens.
Se tudo isto parece absurdo e forçado — é porque é. Há uma clara intenção de exagerar tudo: desde a forma supostamente profunda e intensa como os atores dizem o texto aos vários detalhes da realização.
Um dos grandes pontos fortes é que os atores têm de se manter completamente sérios e nunca desmanchar a personagem para defenderem aquele texto cómico. “És uma mulher muito independente, tens MB Way”, diz a certo ponto uma personagem que pretende consolar outra. “Sabes qual é o teu mal? Foi teres acabado o sexto ano, subiu-te tudo à cabeça”, diz o caseiro pai para o filho numa discussão intensa.
“Pôr do Sol” é um autêntico festival de frases que podiam tornar-se catchphrases da cultura pop nacional. Henrique Cardoso Dias é o autor responsável pelo guião — a maior proeza deste projeto — sendo que Manuel Pureza também tem bastante mérito na qualidade desta “novela”, enquanto realizador de “Pôr do Sol”.
O genérico consiste numa repetição até à exaustão de Toy a cantar a expressão “pôr do sol” — com cavalos a correr pelo meio, sendo que o cantor também aparece de forma aleatória durante a narrativa para cantar em playback. José Carlos Pereira aparece numa chamada de Zoom a fazer de médico. Parte da história passa-se numa herdade em Santarém que suspeitamos que não fique em Santarém.
Há ainda uma enorme sátira aos conteúdos patrocinados enfiados a pontapé no meio do enredo das novelas — quando Lourenço não deixa a história seguir o seu rumo porque está a dizer de forma insistente o quão deliciosos são os douradinhos da Pescagrossa.
A RTP já tinha apostado num projeto que em parte satirizava as novelas, embora de uma forma bastante diferente e muito menos preponderante — falamos da série “Sara”, de Marco Martins, que combinava drama e comédia, numa narrativa envolvente com um elenco de luxo, elementos que a tornaram numa das melhores séries portuguesas de sempre.
Neste projeto a sátira é muito mais descarada e despida de elementos dramáticos. O único drama presente é aquele que as personagens estão constantemente a viver — no seu mundo artificial, superficial e tão inverosímil que se torna viciante. Sentimos que estamos a um milímetro de se quebrar a chamada “quarta parede”, mas o tom mantém-se sempre. As gargalhadas são constantes, as referências meio aleatórias ditas pelas personagens são incríveis. “Pôr do Sol” é talvez uma das melhores novelas portuguesas de sempre — porque funciona precisamente para desconstruir este formato que se tornou repetitivo e nada disruptivo ao longo dos anos.
O elenco inclui ainda Diogo Amaral, Marco Delgado, Sofia Sá da Bandeira, Rui Melo, Manuel Cavaco, Noémia Costa, Carla Andrino, António Melo, João Baptista, Madalena Almeida e Sofia Aparício, entre outros. Leia também a entrevista da NiT com Diogo Amaral (sobre este e outros projetos).
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