À saída de casa, Hunter Moore foi abordado por uma mulher que o atacou com uma caneta que ficou cravada no ombro e obrigou a uma cirurgia de emergência. Não foi o único incidente a envolver o americano, que meses antes viu precisamente a sua casa ser invadida por estranhos. A mulher que o feriu estava desesperada: tinha visto a sua vida ser destruída quando Moore divulgou na Internet várias imagens suas sem roupa.
Moore tinha-se tornado num dos homens mais odiados da Internet, tudo por causa do seu site, IsAnyoneUp, criado em 2010 e onde fazia questão de partilhar todas as imagens e vídeos explícitos que lhe chegavam às mãos. Em pouco tempo, tornou-se no autoproclamado Rei da Revenge Porn, isto é, conteúdos explícitos divulgados como forma de retaliação. As vítimas eram quase sempre mulheres.
A história é agora alvo de escrutínio em “O Homem Mais Odiado da Internet”, a nova minissérie documental da Netflix. A produção tem a assinatura dos criadores de “Tinder Swindler” e de “Don’t Fuck With Cats” e, tal como nos predecessores, aborda um caso real que deixou um rasto de destruição atrás de si.
No centro da polémica está precisamente Moore, que se tornou numa espécie de ídolo para uma comunidade marcadamente misógina e violenta. Por cada vítima, o americano angariava outros tantos seguidores.
O documentário explora os testemunhos de muitas das suas vítimas, o caos que a divulgação de fotos privadas sem consentimento provocou nas suas vidas e, sobretudo, como é que Moore se tornou no homem mais odiado no mundo digital. A série chegou à Netflix esta quarta-feira, 27 de julho.
Durante o seu reinado, a revenge porn ganhou notoriedade, um termo e uma definição própria. Trata-se, para todos efeitos, da divulgação de materiais privados de cariz sexual por terceiros, sejam imagens ou vídeos, sem consentimento do autor, com a intenção de os prejudicar.
O anonimato da Internet tornou a prática cada vez mais recorrente e os autores eram, naturalmente, os indivíduos a quem esses materiais eram enviados, normalmente namorados ou maridos das vítimas. Moore teve o condão de criar um espaço livre onde todas essas imagens e vídeos eram divulgadas e centralizadas, sem qualquer controlo. Ou melhor, era ele próprio quem fazia de Deus e decidia quem expor nas páginas do seu site.
Criado para ser um site sobre a cena da música de dança, a transformação aconteceu um pouco por acaso. Moore partilhou uma imagem de uma jovem nua, sua ex-namorada, e de repente as visitas começaram a multiplicar-se. Foi quando percebeu que poderia explorar a miséria alheia em proveito próprio.
Rapidamente começou a receber imagens enviadas por outros homens, que partilhavam não só os conteúdos explícitos, mas a identidade dos autores e autoras. Depois, Moore só tinha que escolher que vida iria arruinar nesse dia. Intitulou-se de “arruinador de vidas profissional”. E o ódio cresceu.
Cada imagem explícita incluía o nome completo, a profissão, a cidade de residência e os perfis nas redes sociais de cada vítima. Essa informação tinha também o condão de fazer aparecer os conteúdos nas pesquisas no Google — e permitia que qualquer um pudesse encontrar os materiais privados de amigos, colegas de trabalho.
Moore, contudo, levou a loucura ao nível seguinte: começou a procurar ativamente os conteúdos, recorrendo mesmo à pirataria para aceder a fotos e vídeos em computadores privados. Ninguém estava a salvo.
No seu pico, o IsAnyoneUp era visitado por perto de 400 mil pessoas todos os dias. Ao mesmo tempo, o seu criador ficava rico: estima-se que receberia perto de 30 mil euros mensais só em publicidade. E defendia-se com o argumento de que os conteúdos eram criados pelos utilizadores. A responsabilidade, dizia, não era sua.
O DJ e produtor de música nas horas livres, tornou-se cada vez mais temerário. Às centenas de emails com pedidos de remoção das imagens, respondia quase sempre com um orgulhoso “LOL”.
Quem ousava levar a luta avante contra o site e o seu criador, era habitualmente ameaçado de morte, por Moore e pela legião de fãs que seguiam o IsAnyoneUp de forma religiosa. Mas uma mulher em particular conseguiu travá-lo.
Tudo começou quando Kayla Laws se tornou numa das mais recentes vítimas. Ao ver as suas imagens nuas partilhadas no site, confessou tudo à mãe. E garantiu que as imagens nunca tinham sido enviadas para ninguém — apenas para si própria, via email. Charlotte Laws encetou então uma luta judicial para proteger a filha.
Laws decidiu lançar a sua própria investigação que durou mais de dois anos. Contactou outras vítimas, mais de 40, cujos testemunhos compilou e entregou posteriormente ao FBI. Foi a sua ação que colocou em movimento toda uma investigação judicial que terminaria com a sua queda.
Moore achava-se acima da lei e, também por isso, reagia de forma exacerbada e ameaçava tudo e todos. Não tinha vergonha, pelo contrário, mostrava-se orgulhoso de poder arruinar vidas com um só clique. Isto até ao momento em que a investigação federal começou a ser notória. “Vou literalmente comprar uma viagem de avião em primeira classe, comer uma refeição incrível, comprar uma arma e matar quem quer que tenha dito isso. Estou mesmo furioso”, confessou a um jornalista do “The Village Voice”.
Em 2014, Moore acabaria por ser detido e acusado de conspiração, acesso ilegal a computadores e roubo de identidade. Durante um ano, tentou combater as acusações, até que em 2015, aceitou finalmente assumir-se como culpado e sujeitar-se a uma pena de prisão de pelo menos dois anos.
A iniciativa de Charlotte Laws não só ajudou a travar Moore, mas impulsionou o debate da revenge porn, os seus perigos e a falta de legislação na matéria que deixava as vítimas desprotegidas. Nos EUA, o caso levou a que perto de 50 estados promovessem legislação específica.
Moore, contudo, acabaria por ser libertado em 2017, depois de cumprir dois anos e seis meses de prisão. Manteve-se em silêncio até 2018, altura em que lançou uma autobiografia, “Is Anyone Up!? The Story of Revenge Porn”, que foi tudo menos um sucesso. Em 2021, recorreu ao Twitter para lançar uma frase enigmática: “Conhecem-o meu nome, mas não a minha história. Ouviram falar sobre o que eu fiz, mas não sobre aquilo pelo que passei.”
Aos 36 anos, o homem mais odiado da Internet mantém-se banido do Facebook. O seu site foi fechado em 2012 e continua quase sempre em silêncio. Recusou participar no documentário da Netflix, mas não ficou indiferente. No Twitter, partilhou o trailer e deixou apenas a sua habitual reação. Um simples “LOL”.