É entre a arte e a ciência que Moullinex se encontra. O alter ego do DJ, produtor e multi-instrumentista, Luís Clara Gomes, é a junção das paixões que o português de 39 anos carrega no peito. Começou como investigador de astronomia e neurologia e, certo dia, numa discoteca em Viseu, apaixonou-se pela música de dança. Ainda assim, não deixou as raízes de lado e atualmente cria uma harmonia entre os dois mundos.
Em 2022, produziu o álbum “Girassóis e Tempestades”, de Marisa Liz, e no ano anterior, o seu próprio álbum “Requiem for Empathy”, bem como o tema “Love Love Love” para a mais recente série a integrar o universo de “O Sexo e a Cidade” na HBO. Luís não fica parado e além de conquistar os palcos portugueses — esteve pela primeira vez no Coliseu dos Recreios em outubro —, percorre o mundo em concertos.
Esta sexta-feira, 26 de maio, chega ao Seixal para a quarta edição do Festival do Maio, o evento de música que junta a arte à política e que este ano conta com outros nome como Gabriel, o Pensador, Sam the Kid, Prétu e Peaches. À NiS, o DJ partilhou a jornada que tem feito nos últimos anos — tanto em Portugal como no estrangeiro —, o que tem preparado para o concerto no concelho e os projetos futuros.
Como surgiu o nome Moullinex?
É uma pergunta que me fazem muitas vezes, claro [risos]. Surgiu porque quando comecei a fazer música e, ainda hoje, tenho uma grande paixão pela música eletrónica francesa, a começar pelos Daft Punk e os Air. Além disso, num dos primeiros temas utilizei o som de uma picadora e pensei escolher o nome Moullinex como forma de prestar uma homenagem através do nome.
E como é que nasceu esta paixão pela música eletrónica francesa?
Na adolescência, sempre tive um fascínio por tudo que é sci-fi, exploração espacial, entre outros. Naturalmente, as bandas sonoras desses universos eram muitas vezes eletrónicas e desde miúdo que me atraía muito este universo artificial. Mas depois, a descoberta da música de dança foi mais tarde. Foi preciso apaixonar-me numa pista de dança para perceber porque é que dançávamos em coletivo [risos].
O Luís foi da ciência, como investigador de astronomia e neurologia, à arte como DJ, produtor e compositor. O que motivou essa transição e de que forma as juntou no seu álbum “Requiem For Empathy” e noutros projetos?
Acabo sempre por usar a música e a criatividade como uma plataforma para aprender coisas novas que é algo que mais gosto de fazer além de música. Esta oportunidade de estar sempre a descobrir uma forma nova de pensar, trabalhar e relacionar-me com os outros. Neste sentido, sempre procurei explorar temas maiores. No caso do “Requiem For Empathy”, o tema maior foi o da empatia e de que forma poderíamos utilizar a música e a forma que consumimos música em grupo para potenciar a empatia entre nós. Acho que as partes da tecnologia e da investigação são necessárias para me manter criativo enquanto músico e consigo combinar tudo assim.
O Festival do Maio está muito ligado à liberdade de expressão e às lutas sociais. Com que luta mais se identifica e de que forma se expressa como artista?
Para mim, tudo o que são lutas para mitigar e acabar com as desigualdades sociais são queridas. Não tenho uma luta favorita, por assim dizer, porque acredito muito no intersecionismo e no facto de um certo aspeto de um ser humano ser transversal, ou seja, não podemos ser só feministas, temos de ser anti-racistas, simultaneamente a favor da igualdade social. Acho que é muito importante, acima de tudo, haver uma rede de segurança para uma sociedade. Só assim, quando eliminarmos a pobreza, que acho que é o maior fator de exclusão social, e começarmos por aí, conseguiremos atacar os outros mais facilmente.
Como produtor, já fez alguns temas para produções televisivas, como “O Sexo e a Cidade”. Em que outras produções internacionais e nacionais podemos encontrar temas seus e o que essas conquistas significam para si como artista?
Na minha opinião, é uma grande oportunidade de aprender. Aprendo muito com todas as pessoas que são apaixonadas pelo seu processo, seja a fazer música ou jardinagem, por exemplo. Se vejo que uma pessoa é apaixonada pelo que faz, tenho muito para aprender e acho que cresço enquanto ser humano ao ter este contacto com outras realidades e abordagens à vida e os projetos de produção atraem-me muito. Por isso é uma oportunidade de aprender e de não ter de me preocupar muito com o objeto artístico enquanto Moullinex, mas sim como ser um potenciador para as outras pessoas poderem explorar o seu próprio objeto artístico. Já fiz todo o tipo de bandas sonoras, só me falta uma longa-metragem e gostava muito de um dia poder fazer isso. Fiz para curtas-metragens, publicidades, identidade musical de plataformas como a Antena 3 ou o Novo Banco. O último disco que produzi foi o da Marisa Liz que saiu há pouco tempo e foi um processo maravilhoso porque tivemos acesso a muitos músicos incríveis. Antes desse, foi o disco “Fado Bicha” que também é um duo português que está a explorar os limites do fado e da intervenção e que me atraiu e logo quando ouvi pela primeira vez, embarcámos num longo processo de dois ou três anos de composição e produção. Eu acabo sempre por trazer para o meu mundo coisas que aprendo no mundo dos outros e isso é uma coisa que me atrai muito na produção.

Desde que se lançou como artista, tem estado em vários países estrangeiros. Sente alguma diferença entre o público estrangeiro e os portugueses?
Não sei se consigo generalizar em relação aos portugueses e vice-versa. Se calhar, as experiências mais marcantes que tive foi o contacto com uma cultura completamente diferente e em alguns territórios menos globalizados em que não temos o café da ardósia e a tosta de abacate como há em todo o lado nas capitais europeias [risos]. Sempre que consigo contactar com culturas diferentes sinto essa magia de estar a descobrir coisas novas, tal como estar num mundo alternativo. A primeira vez que fui à Índia, à Rússia e à América Latina, a começar pelo México, Colômbia e também Brasil, há muitos aspetos semelhantes mas depois outros completamente diferentes. Por outro lado, como sou um consumidor de música de todo o mundo, criei uma ideia de fantasia, sobretudo em relação ao Brasil, porque cresci muito a ouvir música popular brasileira. Provavelmente, o artista que mais se ouviu em minha casa tocado pelos meus pais foi o Chico Buarque. Então, quando pude ir a São Paulo e ao Rio de Janeiro, já trazia uma ideia do que seria a cultura. Algumas coisas corresponderam, outras não. É muito bonito montar essas peças do puzzle.
Houve algum concerto lá fora que o marcou especialmente?
O Festival Exit, na Sérvia, que foi provavelmente o que toquei para mais pessoas, foram cerca de 50 mil. A primeira vez que estive nos Estados Unidos da América e fizemos oito ou nove concertos em dez dias foi também muito intenso [risos]. Na Colômbia também foi especial porque não fazia ideia que havia tanta gente em Bogotá que gostasse da minha música e foi incrível descobrir isso. Na China também, por essa mesma razão. Eles têm um choque cultural muito grande e havia pessoas que conheciam o meu trabalho e sinto-me muito grato por essa oportunidade. Acho que tenho uma sorte na música que faço. A música de dança é mesmo uma linguagem universal no sentido em que se é boa, as pessoas dançam [risos]. Então, o meu objetivo é só produzir boa música de dança e espero estar a conseguir fazê-lo.
Nesses dias mais intensos com vários concertos seguidos, o que costuma fazer para descontrair e relaxar?
Como é tudo tão rápido e acontece de forma tão efémera e fugaz, o contacto que tenho com a cultura vem muitas vezes através da gastronomia e das pessoas e a comida, se calhar, é a nossa maior manifestação de cultura. Basta ver como para nós portugueses, o passatempo favorito é estar a falar de outra comida à mesa [risos]. Acho que a comida é uma ótima porta para dentro da memória coletiva de um povo. Para relaxar, procuro ter momentos de silêncio, que, para mim, é uma coisa muito preciosa. Valorizo muito o silêncio e mesmo para ouvir discos que gosto, preciso de fazer algum silêncio antes para conseguir quase como limpar os ouvidos de forma a estar pronto para ouvir música outra vez. Por isso, silêncio, leitura e frutas são o que me ajudam a relaxar.
Para o Festival do Maio, o que podemos esperar? Quais as expectativas e o que pode adiantar acerca da sua atuação?
Para começar, estou muito contente por estar no Festival porque tem um cartaz incrível. Ainda por cima, a Peaches, que é uma grande amiga e colega com quem já trabalhei e que em outubro esteve comigo no meu primeiro Coliseu dos Recreios, vamos estar a partilhar palco e, por isso, vai ser quase como se fosse um encontro de família. Eu trago o meu espetáculo mais recente que começou com o “Requiem for Empathy” e partilho o palco com mais três músicos, o Guilherme Salgueiro, o Guilherme Tomé Ribeiro e o Diogo Sousa e é um espetáculo com uma fortíssima componente visual porque existe muito essa exploração da eletrónica. O objetivo principal do espetáculo é tentar humanizar aquilo que estamos a fazer de forma a que o público consiga participar e perceber o que está a acontecer no meio de dezenas de equipamentos em palco. Viajamos muito este caminho e não deixa de ter música de dança. Podemos dançar em conjunto e deixar-nos levar numa viagem. É assim que construo os meus concertos.
E para o futuro, tem algum novo projeto ou desafio criativo que possa partilhar?
Tenho sempre quatro ou cinco em simultâneo [risos]. Neste momento, também estou a fazer concertos num formato mais intimista no meio do público, obviamente num espaço de um festival não é tão propício, por isso venho um bocado com a equipa toda. Mas agora estou concentrado em fazer música nova porque depois de um período bem longo a produzir músicas para os outros, quase que descarreguei a bateria da vontade de fazer para mim [risos].