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Maria João Luís: “Adoro o Seixal. Gostava de ter um barco para poder ficar cá a dormir”

A NiS falou com a atriz sobre a sua vida, a carreira e a peça “Ela Lobo”, que está em cena até dia 18 de março, sábado.
A atriz tem 59 anos.

Chama-se “Ela Lobo” e é a peça de teatro que vai poder ver no Seixal até ao próximo sábado, dia 18 de março. Uma das protagonistas é a atriz Maria João Luís, um dos rostos mais conhecidos do teatro nacional. Maria João fundou o Teatro da Terra em 2009, companhia que está sediada no concelho do Seixal. 

Além desta peça, a atriz já conta com uma longa carreira na área da representação, tendo feito diversas peças de teatro e até mesmo novelas. No mês do Dia Mundial do Teatro, a New in Seixal falou com a atriz, de 59 anos, sobre o seu percurso e esta peça que retrata duas mulheres, desaparecidas dentro de uma floresta. 

Onde nasceu?
Sou de Alhandra, que é ao lado de Vila Franca de Xira. Estudei e passei grande parte do meu tempo em Vila Franca de Xira, mas vivia em Alhandra. Basicamente fui só nascer a Lisboa. Depois fui para Alhandra e vivi entre Alhandra e Vila Franca de Xira até à minha adolescência.

Os seus pais eram de lá?
Os meus pais eram da zona de Alenquer, que é perto de Lisboa.

Viveu lá até à sua adolescência e depois veio para Lisboa? Tinha quantos anos?
Bem, comecei a estudar aos 15 anos em Lisboa e depois fiquei lá. Comecei a fazer teatro na Barraca por volta dos meus 19/20 anos.

Quando veio para Lisboa começou logo a fazer teatro?
Comecei a fazer teatro. Muita performance na rua, dizia poesia em bares. Depois fui fazer um teste à Barraca, porque eles precisavam de uma atriz e fiquei. Tinha 19 anos. E foi assim que começou a minha carreira.

Mas sempre gostou da parte da representação? Sempre quis ser atriz ou foi algo que surgiu depois?
Vou ser muito franca. Estava numa escola de artes, que era a António Arroio, e estava muito mais ligada ao desenho e à arte plástica do que propriamente à representação. Portanto fazia as minhas performances na rua sem pensar que queria ser atriz. E depois surgiu esta oportunidade da Barraca e, como fiquei, decidi apostar nessa área.

Quais são as suas maiores influências como atriz e a título pessoal?
Como atriz e pessoa, sem dúvida, que é a Maria do Céu Guerra. Ela ensinou-me tudo mas sobretudo uma coisa que é muito importante que se ensine, que é a liberdade em cena. A possibilidade de ser livre em cena, de brincar, de jogar. Para mim, essa capacidade foi talvez das coisas mais importantes que alguém me ensinou e me passou. E isso para mim é tudo.

E é por causa dessa liberdade que gosta tanto de fazer teatro?
Sem dúvida. O teatro é um espaço de total liberdade. E de voo. É onde se consegue voar realmente.

É esse sentimento que o teatro traz para si?
Sim. É algo transportador. É só assim que eu defino [risos].

De todas as peças que já fez qual é que foi a mais marcante para si? E porquê?
O “Stabat Mater”. Era um monólogo, de uma hora e 45 minutos, que falava de uma mulher que tinha perdido o filho e que, em princípio, seria um preso político. É um monólogo dessa mulher, que é feirante, escrito por um grande autor, António Tarantino. Um autor italiano, absolutamente extraordinário, recentemente falecido. Foi um exercício espantoso para mim porque era um texto cheio de repetições e ter aquele texto na cabeça e conseguir fazê-lo foi um desafio gigante. Este que eu estou a fazer agora também é. A peça “Ela Lobo” é um texto muito desafiante.

Já que falamos na peça “Ela Lobo”, pode contar-nos um pouco mais sobre ela?
É um espetáculo que fala sobre a mulher e o universo feminino. São duas mulheres que desaparecem, como tantas outras mulheres desaparecem. As mulheres desaparecidas, aquelas que não têm nome, aquelas que sofrem de violência doméstica, aquelas de que nós não ouvimos falar. Esse tipo de mulheres que são uma espécie de mulheres desaparecidas. É um texto altamente poético, é todo em prosa poética, vagamente abstrato, portanto não é um espetáculo com um princípio, meio e fim. É uma passagem poética. E tem uma cenografia muito bonita e surpreendente. Fala de tudo um pouco. Da menstruação, da anatomia feminina, da violência doméstica, dos líquidos que nós vertemos da nossa anatomia e faz uma analogia ao mesmo tempo com a botânica. Portanto é uma produção muito poética.

E agora falando um pouco de trabalhos televisivos. Houve assim algum que a marcasse mais?
Muitos. Houve muitos que me marcaram. Eu acho que quase todos. Os trabalhos marcam-nos sempre, não é? Nós aprendemos sempre alguma coisa. Portanto, isto nunca se desaprende. Quanto mais fazemos, mais aprendemos. Seja pela negativa, seja pela positiva, mas aprendemos. E eu aprendi sempre muito a fazer novela, muito. Portanto, os trabalhos marcam-me sempre.

Gosta mais de fazer teatro ou televisão? Ou é completamente diferente?
Gosto muito de fazer televisão, embora agora esteja a fazer uma pausa para me dedicar mais ao Teatro da Terra e ao projeto. Sempre estive perto, mas a trabalhar em novela e a fazer teatro já não aguentava, percebe? Já tenho 59 anos, já não era capaz de estar nesse ritmo. E optei por escolher o teatro porque é, sem dúvida, a minha grande paixão.

Fale-nos um pouco do Teatro da Terra. No que é que consiste?
O Teatro da Terra pretende ser aquilo que o Teatro da Terra quer ser. É um teatro da cidade, do concelho do Seixal. Neste momento o Teatro da Terra está atento ao Seixal, àquilo que é a população do Seixal, às vontades das pessoas do Seixal. O objetivo do Teatro da Terra é ser um teatro para todos.

E é por isso que se chama Teatro da Terra?
O Teatro da Terra é muita coisa. Teatro da Terra é deste planeta, da Terra. É o Teatro da Terra, este teatro que vivemos, que fazemos, na Terra.

Porque é que escolheu o Seixal para ser a sede do Teatro da Terra? Tem alguma ligação ao concelho?
Não tenho nenhuma ligação ao Seixal. Nós apresentámos o projeto e foi a autarquia que aceitou. Na altura até teríamos uma outra possibilidade mas escolhemos o Seixal por ser este concelho aberto à cultura e onde nós podemos criar de uma forma livre.

O que é que fazem exatamente no Teatro da Terra?
Fazemos peças de teatro, workshops, vamos ter agora um workshop brevemente. Penso que em abril estão a começar os workshops, que vão ser orientados por mim e que têm como mote principal a interpretação. É muito importante a interpretação mesmo para a vida das pessoas.

No próximo dia 27 de março vai ser o Dia Mundial do Teatro. É uma data especial para si?
É sempre uma data especial, o dia 27. É uma data bonita.

Tem o hábito de assinalar esta efeméride?
Não. Normalmente o que fazemos é ler a mensagem do Dia Mundial do Teatro quando estamos em cena. Este ano não tenho a certeza se estarei em cena no dia 27, porque nós estamos em turné nessa altura. Se estiver em cena é evidente que lerei a mensagem do Dia Mundial do Teatro. Esta mensagem fala sobre o teatro e é um elogio à arte de representar.

Tem três filhos, não é? Eles gostam da representação e artes performativas ou não é muito o género deles?
Não é muito o género deles, embora o meu filho mais novo esteja encantado com a luz. O pai é iluminador e ele está a seguir as pisadas dele. Já opera luz nos Artistas Unidos e opera connosco também quando tem hipótese. Portanto, tenho que sim, que está a seguir esta área [risos].

Segue a área das artes mas outro tipo de arte, não é?
Sim. É arte também. Faz parte desta. Não vivem uma sem a outra.

Faz tudo parte do espetáculo.
Sim. Não se vive sem luz, não se vive sem som. Tudo isso faz parte.

E os seus filhos costumam ver os seus espetáculos e telenovelas?
Nem por isso [risos].

E o que é que eles dizem dos trabalhos que faz?
Dizem que sou boa atriz, claro. Sou a mãezinha deles [risos].

Ai deles se dissessem o contrário, não é?
Exatamente [risos].

Ficavam de castigo.
Sim, ficavam de castigo [risos].

Para eles já deve ser normal terem uma mãe conhecida, não é?
Coitadinhos, levaram com isso a vida toda, não é? Na praia, nos restaurantes, em todo o lado. Já estão habituados e sempre lidaram muito bem com isso. Eu também lidei sempre muito bem com isso, portanto, não há problema.

Quantos anos é que eles já têm?
O mais velho tem 25 anos, o do meio tem 23 e o mais novo tem 18 anos.

A Maria João vive no Seixal?
Não. Moro na zona Oeste. É onde eu tenho a minha casa já há quase 30 anos.

Mas gosta de passar o seu tempo aqui no Seixal?
Adoro o Seixal. Gostava imenso de ter um barco para poder ficar cá a dormir. O meu marido já tirou a carta de patrão de costa. Agora é só preciso arranjar dinheiro para o barco [risos].

Qual é o seu sítio favorito no Seixal?
Bem, neste momento é a Torre da Marinha, onde temos o nosso espaço [risos]. 

O Teatro da Terra?
Sim, é lá que vamos fazer os workshops, onde ensaiamos, temos o armazém, guarda-roupa, oficina. Portanto, temos tudo agora centrado num único sítio. Mudámos há pouco tempo, há cerca de três meses.

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