Desde miúdo que Hugo Castanheira dizia que queria ser pintor. Hoje, aos 41 anos, pode afirmar que o seu maior sonho está concretizado. De tela em tela, a sua assinatura ultrapassou as margens do rio Tejo, passou além-fronteiras e atualmente já se pode encontrar em qualquer canto do mundo.
No entanto, a caminhada até aqui nem sempre foi linear. Em entrevista à NiS, o artista confessou que tudo começou por mero acidente. Era um facto que adorava desenhar e que desde sempre se recorda de ter o talento de agarrar nos lápis ou nos pincéis para dar forma a tudo aquilo que lhe passava pela mente. Era-lhe inato. Nunca estudou Artes e durante muito tempo até esteve afastado delas. Escolheu tirar um curso de Informática e, durante vários anos, porque é um homem de luta, fez de tudo um pouco. Sobretudo depois de ter emigrado para Inglaterra.
Foi lá que se casou, onde viu nascer o seu primeiro filho e também o sítio que fez despertar-lhe um sentimento adormecido por alguns anos. Quando se encontrava a decorar o quarto do miúdo, parou e pensou que afinal de contas ainda tinha jeito para o desenho. E assim começou esta aventura no universo das artes, mais especificamente no da pintura.
Começou com aguarelas, pintou quadros em óleo e dali para a frente foi sempre a inventar. “Felizmente, nas minhas primeiras obras tive logo potenciais compradores, isto é, pessoas a querer o meu trabalho. A minha evolução tem sido baseada na vontade das pessoas, conforme tive mais procura mais eu pude, felizmente, crescer”, explica em conversa com a New in Seixal o protagonista desta história.
Em 2001, Hugo regressou a Portugal e nessa altura teve necessidade de conciliar o seu próprio trabalho com a pintura. Nos primeiros tempos ainda foi possível ao artista seixalense arranjar tempo para tudo, mas chegou a um ponto que se tornou inviável. Hugo sentia que se aplicasse às suas obras o esforço que se encontrava a dar a outros iria conseguir viver somente da sua profissão.
Até que chegou a altura em que decidiu colocar um ponto final nesta condição, passando a dedicar-se às artes a tempo inteiro. Hugo Castanheira é um homem de ideias e tentou sempre marcar a diferença no meio onde se inseria. Graças a isso, ficou conhecido como aquela pessoa que pinta em materiais estranhos. E com estranhos queremos dizer que o seixalense já embelezou com os seus desenhos com conhas de ostras, pedras da calçada e azulejo de cortiça.
“Tudo começou com isto, que são ostras”, mostrava à NiS. Havia muitas pessoas que iam às exposições e quem não conseguia comprar uma peça maior preferia comprar, por exemplo, um livrinho. Quando Hugo, o perito em fazer trabalhos em materiais estranhos e difíceis, começou a pintar nas conhas das ostras e a expor aquelas pequenas obras de arte, as pessoas começaram a aderir e a consumir aquele seu produto.
A partir daí bastou guiar-se pelas ideias que efervesciam dentro de si e tudo se expandiu de forma muito natural. Inclusive a sua ligação com a cortiça, o material com que atualmente mais trabalha. “Em primeiro lugar, trabalho com cortiça porque faz parte da tradição do Seixal. A par disso, eu trabalho em colaboração com uma associação cultural. Eles tinham um espaço e eu tinha a vontade de ter um. Associámo-nos, porque eles tinham muita cortiça espalhada pelo espaço e não sabiam bem o que haviam de fazer com aquilo, e porque eu tenho a especialidade de pintar materiais estranhos, comecei a pintar”, contou-nos Hugo.
Depois foi uma questão de explorar este material., que agora é produzido no espaço no Seixal onde desenvolve a sua obra todos os dias. Com bastante ambição e vontade de fazer mais e melhor, o artista tem vindo a inventar cada vez mais coisas. Atualmente, por exemplo, está debruçado sobre três painéis com mais de dois metros para decoração de uma casa. Para ser mais fácil de visualizar, falamos-lhe de vários azulejos de cortiça que juntos formam um painel pintado pelas mãos de Hugo Castanheira.
As obras de arte saídas das mãos do artista seixalense
Hugo afirma-se como um contador de histórias. Para levá-las até ao seu público, usa como ferramentas sobretudo os pincéis e as tintas. Inspira-se através das pessoas, da humanidade, da terra e daquilo que considera ser a tradição. É em torno disso e também do que as pessoas lhe pedirem que Hugo desenha e pinta. Ao todo revelou-nos que já coleciona vários milhares de obras com a sua assinatura. “Eu sou workaholic”, brinca.
Segundo o que o artista nos contou, o seu trabalho tem vindo a ser, principalmente ao longo dos últimos anos, reconhecido. Prova disso é o facto de Hugo já ter peças na China, em Timor, na Rússia, nos Estados Unidos da América, Brasil, África do Sul, em Inglaterra e até na Escandinávia.
Ao longo deste percurso, o artista destaca uma das obras mais marcantes. “É uma peça que é feita numa tábua do século XVI. Deram-me aquela peça muito velha, com pregos, cheia de buracos e em 2018 eu passei para ela a minha mundivisão daquilo que eu sentia que estava a acontecer na nossa sociedade. Isso foi em 2018, agora estamos em 2022 e está perfeitamente em sintonia”, confidenciou.
Basicamente, falamos-lhe de uma tábua que começou a ser pintada por Hugo em 2017, justamente na época da Páscoa. Então, o artista quis reproduzir ali um evento que representasse esta história bíblica. Por ter quatro pregos, o seixalense conseguiu fazer duas cruzes, mas ficava a faltar uma, que era a de Cristo. Para resolver, desenhou Jesus debruçado sobre o seu joelho, juntamente com os rostos das figuras mais emblemáticas do planeta.
Porém, no fundo, o artista pinta tudo aquilo que lhe for pedido. “Eu pinto muito sobre o Seixal e o que as pessoas estão mais habituadas a ver. Esta ideia dos edifícios e este tipo de coisas. Já quando pinto mais para mim e aliás mesmo nestas peças que estou a fazer, tento colocar sempre mensagens escondidas”, revela.
Por exemplo, há relativamente pouco tempo Hugo Castanheira entregou dois painéis que têm duas árvores na extremidade de cada painel. O objetivo é que esteja ali representada a visão da praia da Fonte da Telha, como se olhássemos desde o Cabo Espichel até à Costa da Caparica. Na extremidade de um painel tem uma árvore, que é a árvore da vida, e do outro lado, está a árvore do conhecimento. Está ainda um casal deitado à frente da árvore em que a figura masculina tem um livro e uma maçã na mão. Depois a história é para as pessoas irem descobrindo.
Pode conhecer alguns dos trabalhos feitos pelas mãos desta figura seixalense no site ou nas redes sociais.