Nas férias de verão, enquanto descansa durante a tarde ou passa o serão em família, a melhor companhia pode ser uma boa série de televisão. Habitualmente, esta não é a altura do ano com mais novidades televisivas — as grandes apostas não costumam passar pela temporada das férias.
Contudo, com a quantidade astronómica de produções que estrearam nos últimos anos nas múltiplas plataformas de streaming e canais de televisão, é natural que muitas tenham passado ao lado da maioria das pessoas. E isso não quer dizer que não sejam ótimas e que não possam ser vistas agora.
Por isso mesmo, a NiT fez uma lista de nove excelentes séries que estrearam nos últimos anos e que não receberam tanta atenção como deveriam. Temos sugestões de comédias, dramas ou thrillers para vários gostos nas diferentes plataformas de streaming — e de diversos países.
Uma delas é “Ramy”. Há 12 anos, Ramy Youssef acordou de manhã e foi lavar os dentes à casa de banho. Quando se olhou no espelho, reparou que algo de errado se passava com a sua cara. A boca não se estava a mexer. Depois de uma pesquisa rápida no Google, que provou ter resultados fiáveis, percebeu que tinha uma paralisia dos músculos faciais. Não sabia quanto tempo aquilo ia durar, mas teve uma epifania de que, quando recuperasse, queria realmente aproveitar a sua vida ao fazer aquilo de que mais gostava. Demorou seis meses até a cara voltar ao normal — e aí Youssef já sabia como ia mudar de vida.
Filho de imigrantes egípcios e americano de primeira geração, Ramy Youssef tinha 19 anos e vivia uma rotina sem fim à vista. De manhã tinha aulas na Universidade de Rutgers, onde estudava Economia e Ciência Política. Depois apanhava o comboio de Nova Jérsia para Manhattan, em Nova Iorque, onde trabalhava numa loja da Apple e vendia computadores e iPhones.
De noite, tinha aulas de representação no William Esper Studio — cada uma durava três horas. No final, Youssef metia-se novamente no comboio em direção a Nova Jérsia, adormecia por volta da uma hora da manhã, e no dia seguinte começava tudo de novo. Aos fins de semana costumava visitar os avós em Nova Iorque, nos verões ia até ao Cairo, no Egito.
Quando a cara recuperou totalmente, Youssef quis deixar uma das coisas que lhe ocupavam o dia. Precisava de manter o emprego na loja da Apple, por isso desistiu da faculdade e duplicou o número de aulas de representação. Começou a participar em castings e rapidamente conseguiu um papel numa série da Nickelodeon chamada “See Dad Run”, o que fez com que se mudasse para o outro lado dos EUA, para Los Angeles.
Foi na cidade de Hollywood que continuou a fazer outros personagens, a ganhar experiência e contactos, e a fazer pequenos espetáculos de stand-up comedy. Quando contava piadas para um público mais muçulmano, temas como a vida sexual tornavam-se desconfortáveis. Quando o público eram jovens brancos americanos, Ramy sentia que não havia grande interesse em falar de temas como a religião — sobretudo na perspetiva de um crente.
Contudo, o sucesso foi sempre crescente. Conseguiu que a HBO produzisse um especial de stand-up chamado “Feelings”, a plataforma Hulu agarrou na sua comédia semi-autobiográfica “Ramy” e em 2020 venceu um Globo de Ouro pelo seu papel, batendo Michael Douglas e Bill Hader. Foi a primeira série de cariz muçulmano a conseguir esse feito.
No seu discurso de aceitação do prémio, gritou “Allahu akbar”, que é como quem diz “Deus é grande”. Ramy Youssef foi criado numa comunidade muçulmana e continua a ser religioso — e esse é um tema central na comédia dramática “Ramy”, que vai buscar muitas das suas vivências pessoais. Além de ser o protagonista, o criativo que hoje tem 31 anos é um dos argumentistas e produtores.
Tal como o Ramy da vida real, o Ramy da série é um millennial dividido entre a sua comunidade conservadora de valores muçulmanos e o estilo de vida dos jovens amigos que gostam de sair à noite, fazer sexo casual ou consumir drogas. Apesar de representar a sua vida e aquelas dos que o rodeiam, a ideia sempre foi mostrar as falhas das personagens, humanizá-las com várias nuances, e não apresentar uma versão aprimorada em relação à realidade.
“Não quero proteger as minhas personagens. Também não o quero fazer com muçulmanos. O meu trabalho não é fazer-nos parecer perfeitos. É fazer parecer-nos atribulados”, disse numa entrevista à revista “GQ”.
Grande parte dos temas são, no entanto, universais. Têm a ver com confrontos geracionais, o amadurecimento ou as relações familiares. Além disso, desconstrói estereótipos e mostra que, por exemplo, nem todos os muçulmanos são iguais. Ramy Youssef conta no seu especial de stand-up que cresceu numa casa com uma foto de Donald Trump ao lado do pai, que trabalhava num dos hotéis do atual presidente americano. Não é o que se espera da maioria das casas muçulmanas nos EUA.
Claro que também é difícil distinguir o Ramy da vida real e o Ramy da série, mas o protagonista já disse em diversas entrevistas que muito do que faz é exagerar certas características e explorar o espaço que existe entre “a pessoa que pensas que és”, “a pessoa que queres ser” e “a pessoa que realmente és”, como descreveu à revista “GQ”.
A primeira temporada de “Ramy” foi um sucesso, tanto para um público branco ocidental como para o público muçulmano no Médio Oriente. Um dos maiores fãs foi o conceituado ator Mahershala Ali, que também é muçulmano. Um elogio público à produção transformou-se num almoço entre Ali e Ramy, que rapidamente o convidou para fazer uma personagem secundária na segunda temporada — o que só gerou ainda mais buzz em torno da comédia.
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