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Ícone de moda, vegano e ativista. Bellerín é o futebolista mais cool do mundo

A nova contratação do Sporting não entra na luta dos logótipos, atira-se aos adeptos homofóbicos e explica que um jogador também chora.
É um jogador fora do comum

Assim que o primeiro ordenado do jogador caiu na conta, apanhou o metro e seguiu os passos da maioria dos colegas de profissão. Trouxe para casa um vistoso Mercedes, uma bolsa Louis Vuitton e um cinto Gucci. Esta história, porém, não segue o rumo que está a pensar.

Hector Bellerín não é um futebolista comum. Aos poucos, deixou para trás todos os estereótipos que acompanham os jogadores de futebol. Oito anos depois, já um londrino de coração, é motivo de conversa pelo que faz no relvado, mas sobretudo fora dele. Eleito pela Forbe’s em 2020 como um dos prestigiados “30 Under 30”, foi também apontado como um dos maiores influenciadores de moda em Espanha.

Bellerín é diferente dos colegas. Naturalmente, essa diferença que o coloca contra a corrente, não foi bem recebida nas bancadas. Ao mínimo deslize, os adeptos não perdoaram. “A maioria dos insultos são feitos online, mas outros ouvem-se no estádio. Chamam-me ‘lésbica’ porque tenho o cabelo comprido e depois prosseguem com um conjunto de outros insultos homofóbicos”, revelou em 2018 ao “The Times”. “Quando jogo mal, torna-se insustentável.”

Agora, no último dia de janeiro, Hector Bellerín assinou contrato com o Sporting Clube de Portugal, emprestado pelo Barcelona até ao final desta época. Mais do que um jogador famoso, Portugal recebeu um verdadeiro atleta ícone da moda internacional.

Destacado pela “Vogue” e capa de meia-dúzia de revistas de moda, Bellerín até já desfilou pela Louis Vuitton na passerelle. “Sei que a maioria dos adeptos de futebol não querem saber de moda. Para eles é muito estranho ver alguém com um look diferente. Aprendi a não ligar aos comentários.”

O miúdo com dois amores

O Mercedes que comprou com o primeiro ordenado já era. Na garagem tem agora um económico e amigo do ambiente Tesla, comprado em segunda-mão. As peças vistosas das grandes marcas deram lugar a escolhas mais criteriosas. No seu armário cabe tudo, das criações de designers como Raf Simons e Christopher Raeburn, a pechinchas da Zara ou da Mango. “Hoje sou mais cuidadoso”, confessa à “Vogue”.

Chegou ainda adolescente a uma das capitais mais liberais da Europa. Cedo percebeu isso. Odiava estar fechado em casa, gostava de explorar a cidade de metro e quando não sabia o que fazer, atacava as lojas. “Como gostava de roupa, comprava roupa”, contou ao “El País”.

Nunca pensou que acabaria por percorrer a passerelle a convite da Louis Vuitton. Aconteceu em 2019, num desfile em Paris, a pedido do diretor criativo da secção masculina da marca francesa, Virgil Abloh. O outfit terá sido outro choque para os que lhe atiravam impropérios das bancadas do Emirates Stadium.

Bellerín apareceu de rompante completamente vestido de rosa-choque. “Nunca desfilei para nenhuma marca, apesar de ter tido algumas oportunidades. Desta vez senti que era o momento perfeito, a marca perfeita e o designer mais falado do momento, que melhor se liga com o público mais jovem”, referiu depois do desfile.

Embora o futebol tenha sido sempre o seu sonho, desde os tempos em que treinava na famosa La Masia, a academia de formação do Barcelona, estava habituado a fintar máquinas de costura. Ainda criança, ajudava a mãe e a avó no ateliê de costura em Badalona, cidade dos arredores da capital catalã.

“Quando não tinha ninguém com quem jogar futebol na praça, ia com elas e davam-me 100 pesetas para varrer os fios do chão e dar-lhes uma mão”, explica.

No futebol atual, Bellerín encontra poucos colegas com a mesma paixão. Destaca Beckham como o único capaz de fazer a ponte entre os dois mundos. “Os futebolistas ainda precisam de mostrar muito no que toca ao estilo”, revela, antes de sublinhar que o que mais se vê é uma espécie de caça ao logótipo. “[No futebol] reduz-se quase tudo a ver quem leva mais marcas vestidas.” O estilo, assegura, não tem nada a ver com logótipos.

Quando não são os adeptos, são os colegas que o picam por causa dos seus looks menos comuns. Mas no campo do estilo, afirma que prefere “ser pastor do que ovelha”. “Tens que ser tu próprio e se queres vestir algo, não deves deixar de o fazer por causa do que alguém vai pensar.”

A paixão pela moda levou-o a pedir ajuda à mãe para fazer a sua primeira criação, um par de calças, cuja produção partilhou no Instagram. Não é a primeira vez que mostra querer passar para o outro lado. Ainda em setembro de 2020 foi o responsável pelo editorial de moda da equipa feminina do Arsenal.

Nada está colocado de parte e admite mesmo avançar para a criação da sua própria marca, algo que sabe que será complicado: “Cada vez que aprendo mais coisas sobre a indústria da moda, mais percebo o quão difícil é. Quando faço algo gosto de me dedicar a 100 por cento e ter uma marca em que tenha que estar presente em todo o processo seria difícil neste momento, mas não fecho portas. Nunca pensei que iria desfilar para a Louis Vuitton e vejam o que aconteceu”.

Assumir o papel de pastor entre as ovelhas pode ser uma tarefa solitária, se bem que no caso de Bellerín, ela talvez seja igualmente inevitável. “O futebol sempre foi o meu objetivo número um, mas tenho outras coisas na minha vida, como a moda, que foi sempre algo que correu na minha família”, nota.

“Quando ouço as pessoas dizer ‘ele veste-se assim porque está à procura de atenção’, isso é algo que me magoa. A moda foi algo que me tornou ainda mais próximo da minha família enquanto crescia. É algo que está no meu íntimo, nas minhas raízes. Não é algo que encare com leveza e vou ser muito frontal quanto a isso”, explica em entrevista à “Mundial Mag”.

Esse é outro dos atributos do futebolista de 27 anos, a frontalidade, não só no que toca a moda mas em todos os assuntos. “Os futebolistas têm plataformas tão grandes das quais não tiram partido”, explica. “Pessoalmente, acho que podemos influenciar as pessoas a serem elas próprias, a mudarem a forma como pensam, a viverem uma vida melhor, seja o que for. Não o fazemos o suficiente, mas foi sempre algo que quis fazer.”

Um craque na linha da frente

A vida seria muito mais fácil caso Bellerín não fosse um privilegiado do futebol. Tendo já jogado em alguns dos maiores clubes do mundo, tem pago o preço de lutar contra o estereótipo estabelecido. Mesmo assim, é uma das vozes que mais se ergue, no sentido de mudar o status quo.

“Os adeptos têm uma ideia de como é que um futebolista deve vestir-se, comportar-se, de como deve falar. Se fazes as coisas de forma diferente daquela que eles esperam, transformas-te num alvo. É muita pressão, além de perigoso, porque na vida temos que ser livres de nos expressarmos”, confessa.

Essa é uma das suas grandes batalhas, a de transformar a imagem dos futebolistas, de homens de espírito impenetrável em seres humanos com sentimentos. “Um futebolista não tem que ser um macho alfa”, explica em entrevista ao “The Guardian”, onde abordou a solidão e a depressão que por vezes assola os craques, mas que raramente é tornada pública porque, lá está, não bate certo com o perfil.

“Mesmo como futebolista podes sentir-te incrivelmente solitário. Se a tua família vive longe, acabas sempre a chegar a uma casa vazia. Até há pouco tempo, tínhamos que fazer de conta que a solidão e a depressão não existiam. Não nos era permitido chorar.”

A homossexualidade é outro tema tabu do futebol que Bellerín faz questão de abordar. “É impossível que alguém possa ser abertamente gay no futebol”, explicou ao “The Times”, ainda no tema dos insultos homofóbicos de que tem sido alvo.

Ativista nas horas vagas

Parece difícil de acreditar que um atleta profissional, um dos mais velozes do mundo, vive desde 2016 com uma dieta estritamente vegana. Mais do que uma opção saudável, o veganismo é, para Bellerín, uma questão moral e ambiental.

“Quando me tornei vegano, não havia muitos futebolistas que não comessem carne. Mas pus-me a ver coisas na Netflix sobre o tratamento dos animais e o dano que estamos a provocar ao planeta ao comer tanta carne, então decidi começar uma dieta à base de plantas”, confessou em 2019.

Depois de muito planear, percebeu que a dieta o ajudava na recuperação e a reduzir as inflamações naturais entre as partidas. Convencer os familiares cuja “dieta consiste em carne, presunto e paella”, é que foi mais difícil.

“Quando disse à minha mãe que me tinha tornado vegano, perguntou-me como é que eu teria energia para jogar. E eu expliquei-lhe o que o médico me disse: ‘Héctor, já não via umas análises tão boas como estas há 15 anos’.”, explicou.

O ativismo não é interrompido entre refeições. Só em 2020, comprometeu-se a plantar três mil árvores por cada vitória do Arsenal na nova época, numa parceria com a organização de anti-desflorestação One Tree Planted. Mais recentemente, tornou-se no maior acionista de um pequeno clube inglês, os Forest Green Rovers, o primeiro clube 100 por cento vegano e, segundo a FIFA, o “mais verde do mundo”.

Entretanto, entre outfits extravagantes, penteados originais, remates à baliza e insultos das bancadas, Bellerín mantém-se firme naquilo que quer para o futuro que, não sabemos ainda, se irá trazer uma marca própria: “Estou a viver a minha vida como quero e não como as pessoas acham que eu a devo viver.”

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