Se estiver à procura de uma casa para comprar em Lisboa, é possível que nos próximos tempos se cruze com um rosto familiar. Não se trata de um agente imobiliário com anos de experiência, mas de uma personalidade com uma imagem que, para muitos, não corresponde ao perfil de um típico agente imobiliário. Falamos cantor Carlos Costa, que apesar das reações iniciais de confusão e ceticismo dos clientes, está empenhado na sua missão de vender casas: “Na primeira troca de emails, percebem que não estou aqui para brincar”, conta à NiT.
Em 2009, o artista de 30 anos tornou-se um nome conhecido pelos portugueses graças à sua participação no programa da SIC, “Ídolos”. A partir daí, pareceu em vários reality shows — como o “Love on Top” ou “A Quinta”, na SIC — e sempre adorou toda aquela atenção mediática. Ainda assim, a falta de um futuro sólido naquela carreira fez com que Carlos Costa decidisse mudar de profissão. E logo para uma área que não tinha nada a ver com o seu passado: tornou-se agente imobiliário na empresa Century 21.
O anúncio foi feito pelo próprio através de uma publicação no Instagram, partilhada em abril de 2022, numa conta profissional. “A arte e magia do ramo imobiliário é algo de indescritível”, escreveu na altura, sobre o desafio de “encontrar e mediar o futuro lar dos portugueses e investidores”.
Ao falar sobre a mudança de percurso, Carlos refere logo a “necessidade de mudança.” “Precisava de entender o mundo de uma forma diferente, porque sempre fui protegido no meio artístico. Não sabia como funcionava o mercado financeiro, as transições ou sequer o Portal das Finanças”.
A motivação para explorar novas áreas teve dois incentivos. Por um lado, as oportunidades enquanto artista passaram a ser cada vez mais escassas, devido à pandemia. Além disso, passou por duas perdas dolorosas — com a morte do pai e do namorado — que mudaram a sua relação com o mundo das artes.
“[O luto] fez-me não só perder a capacidade de ouvir música, mas de me relacionar com ela e levar uma canção até ao fim. Como os desportistas, se deixamos de praticar e não temos disciplina, não conseguimos levar uma performance até ao fim. Tive uma série de propostas ao longo deste tempo, mas sentia que não conseguia desempenhar o meu papel.”
Nesse período, foi recebendo conselhos de um amigo que trabalhava no mercado imobiliário. Fizeram algumas visitas juntos e o companheiro elogiou a forma como ele interagia com os clientes e dava dicas de decoração — mais até do que informações sobre o negócio ou a venda do imóvel.
Este interesse pessoal transformou-se numa das suas grandes valências na nova profissão: “Acredito que o design, a arquitetura e a decoração têm uma grande ligação ao mundo artístico. É preciso a sensibilidade inerente a todos os artistas e eu sempre tive um enorme fascínio pelo belo, que também transparece na venda de casas.”
Desafiado pelo amigo a visitar a agência Century 21 New Life, em Lisboa, não hesitou em atirar-se para o desconhecido. Com o mercado a evoluir tão depressa, sobretudo na capital, o trabalho torna-se cada vez mais aliciante para os profissionais da área. Carlos reconheceu a oportunidade: “Não quer dizer que eu concorde [com a inflação], apesar de compactuar com isso através dos negócios.”
“Acredito em pegar na mão do cliente”
A parte mais complicada, revela à NiT, foi afastar-se do seu lado sensível para tomar decisões frias — porque é um ofício racional — e compreender o mundo financeiro. Para se educar, realizou uma preparação intensiva, através de formações objetivas para fazer uma triagem e de uma equipa que lhe dá apoio emocional.
“Se tiveres perfil, vais ter resultado. Se não trabalhares, não vais. Demoramos sempre muito tempo a começar a concretizar os objetivos, mas quando entendes como funciona, não é complexo. Tornas-te cada vez mais motivado a ouvir as pessoas. É uma reação em cadeia.”
Embora reconheça que o seu nível de exposição (e a vasta lista de contactos) foi uma ajuda, o artista destaca o foco no atendimento personalizado — que o distingue de outros profissionais. “Se as pessoas chegam com ambições muito altas, equilíbrio o que equacionam e o que podem fazer. Acredito em pegar na mão do cliente desde o primeiro contacto e só largar quando se muda para uma casa”.
“Ganhas uma boa comissão e recebes uma boa quantia de dinheiro. Mas a melhor parte isto — e também está ligada à sensação dos aplausos — é quando percebes que a pessoa está no sítio que queria com a tua ajuda”, confessa.
Carlos reconhece também a diferença entre os compradores estrangeiros e os clientes nacionais. Os portugueses já chegam desmotivados, porque “existe uma panóplia de preconceitos com o mercado imobiliário”. Ainda assim, tem um gosto especial em lidar com o público local.
“Existe uma imagem deste mundo direcionado a uma triagem de classes e para o mercado estrangeiro. Quero desconstruir essa realidade e perceber que alternativas existem”, esclarece, embora admita que tem uma vasta carteira de muitos clientes estrangeiros. “Se não tens 110 mil euros na mão, tens que jogar um jogo que já envolve créditos e bancos”.
Alguns dos compradores não conhecem o percurso do cantor, mas há outros que o reconhecem de imediato. A primeira reação é de estranheza, depois o ambiente costuma ficar mais caloroso: “Fico com a sensação de que acham sempre que, por detrás da minha imagem, existe alguém muito oco, arrogante ou limitado em determinados aspetos”.
Mesmo quando os clientes não conhecem o seu nome, a situação pode ser constrangedora. Um dos momentos mais desconfortáveis pelos quais passou aconteceu quando Carlos estava de piquete na agência para receber todas as pessoas que quisessem passar por lá espontaneamente para vender ou comprar casa.
“Dois senhores mais conversadores queriam colocar um apartamento à venda. Quando perceberam que não sou uma rapariga, notei que eles tinham ficado pasmados e a reunião passou a ser num ambiente cortante”. A partir dali, Carlos foi bombardeado com perguntas sobre a sua aparência e género, deixando de lado todos os temas relacionados com imóveis.
Nos últimos dez meses, o profissional tem tentado contrariar todas estas ideias pré-concebidas sobre a sua aparência e estilo. Uma prova não só para as pessoas com quem troca emails, mas também para si próprio. “Começo a ter a sensação de mérito próprio, que eu achava ter no passado. Era meramente um artista que acreditava ter conquistado o mundo — e isso é um erro”, conclui.
Se, tal como Carlos, não resiste aos bons exemplos de design de interiores, leia também o artigo sobre a transformação do T3 degradado dos anos 70 virou um apartamento cool e moderno — e carregue na galeria para ver a transformação.