Primeiro estranha-se, depois entranha-se. Esta famosa frase do poeta Fernando Pessoa aplica-se na perfeição à Mammy Choux. O conceito chegou ao Seixal em julho de 2019 a meio do verão e sem avisar. E logo nos primeiros dias foi impossível não reparar naquela fachada pintada a preto ostentando, pomposamente, um nome com sotaque francês.
Os mais curiosos entraram e pasmaram com as montras — que aqui se chamam porta-joias — recheadas de cor, milimetricamente ordenadas. Era imposível não provar todos aqueles doces que adivinhavam um sabor ainda mais prazeiroso que apenas o do olhar.
Foi assim que Maria Luísa Chambel, 55 anos, a ousada inventora deste conceito, começou a sua aventura no Seixal. Conquistou primeiro os seixalenses que da estranheza inicial, se tornaram clientes habituais e que, agora, já tratam por “tu” éclairs e macarons. Depois chegaram os forasteiros que das visitas esporádicas fazem agora quilómetros para se deliciarem com bolos e doçarias.
“Tem sido uma grande aventura, fruto de um sonho que agora me parece uma grande loucura”, recorda à NiS, Maria Luísa Chambel. Uma mulher que deixou uma carreira na banca para arregaçar as mangas e abraçar o mundo da doçaria. Organizada, metódica e com a persistência de poucos criou e ergueu um conceito inovador na restauração. “Estudei muito, preparei-me e, agora, tenho a certeza que a Mammy Choux só é possível fruto desse investimento na formação”, garante.
Ainda a sua confeitisserie — palavra que mistura confeitaria portuguesa com patisserie francesa e criada por Maria Luísa — dava os primeiros passos, o mundo foi assolado por uma pandemia e tudo parou. Como todos, no fatídico março de 2020, seguiu as indicações de confinamento, sentiu na pele as intermitências do abre-fecha, das distâncias. Recusou o conceito de take-away.
“O que aqui servimos não se compadece com embalagens de plástico”, vinca, não lamentando ter resistido à tentação de baixar a qualidade dos seus produtos em detrimento da entrada de dinheiro em caixa.
“Foi duro, muito duro”, lembra. Mas é mulher de olhar para a frente: “Já passou, ficará para o livro de memórias”, graceja. Com o mundo a retomar a normalidade em janeiro de 2022, abriu, de novo, a porta e consolidou o conceito que tinha em mente: um espaço com confeção própria, onde se podem degustar doçarias de tradição portuguesa e internacional. “Queremos olhar nos olhos dos nossos clientes, enquanto saboreiam um doce e sentir o coração inchar de orgulho”, sustenta.
Neste último ano ficaram famosos os lanches entre amigos e famílias e os brunches, tornando a Mammy Choux num local para quem quer comer a qualquer hora do dia. E consolidou as ementas de almoço e jantar que, aliás, já fazem parte do roteiro de quem aprecia qualidade e diversidade. O restaurante “All Day Food” funciona de quarta-feira a domingo entre as 9h30 e as 19 horas, e para jantares das 20 horas às 22h30, às sextas-feiras e sábados.
Cozinha criativa é o novo desafio
Como já referimos, Maria Luísa Chambel não é mulher para ficar parada. E este ano de 2023 decidiu arriscar mais uma vez. Inventou novamente um conceito e uma palavra: bistrôsserie. “Este novo conceito resulta da fusão entre a gastronomia contemporânea e a nossa confeitisserie”, explica.
Alargou o espaço e criou uma sala independente. Uma espécie de “mundo encantado”, como gosta de lhe chamar. E é mesmo um mundo encantado. A decoração não engana e quem aqui entra sabe que não vai apenas almoçar ou jantar. Vai embarcar numa experiência, gastronómica neste caso.
O sotaque francês mantém-se, assim como espécie de marca registada. Há garrafas de champanhe em tamanho gigante, há um cavalo de carrossel, há uma árvore do amor, há livros que levam na lombada títulos como “Edith Piaf”, “Bonaparte”, “Lacroix”, entre muitos outros. O tom rosa impera, conferindo ao local um ambiente de serenidade que apenas será interrompida pelos sons de espanto quando os pratos são servidos.
A primeira surpresa surge com a entrega da carta. Damos um exemplo. Nas entradas surgem macarons, cornucópias ou petit-éclairs, nos pratos, tarteletes, mil folhas ou cheesecake. Mas aqui a criatividade é quem mais ordena. E são apresentados macarons de hambúrguer de alheira com ovo de cordorniz estralado, cornucópias de ovos mexidos com farinheira ou petit-éclairs de bavaroise de salmão, abacate e gomos de citrinos frescos. Já as tarteles, por exemplo, são de pato estufado com molho de soja e ameixas secas, puré de castanhas e aipo, cenouras glaceadas e castanha frita. Mais criativo é difícil.
Se na confeitisserie o conceito de partilha é prática consensual, Maria Luísa Chambel quis estabelecê-lo como regra na bistrôsserie. “Os pratos são servidos com duas unidades para que possam ser partilhados sem constrangimentos”, explica. Tudo com uma apresentação invulgar, onde reina a harmonia e a beleza. “Queremos que os nossos clientes se sintam especiais e quando saiam tenham quase como que uma necessidade de contar a experiência que acabaram de viver”.